terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

CAPITALISMO E DESENVOLVIMENTO: É POSSÍVEL CAMINHAR JUNTOS?

Artigo publicado nas Formadores: Vivências e Estudos - Revista das Faculdades Adventista da Bahia, Vol. 2, n 2, 2008, com o título "Capitalismo e desenvolvimento: as possibilidades da globalização".


Resumo:


Esse artigo intitulado, “Capitalismo e desenvolvimento: é possível caminhar juntos?”, busca esclarecer e retrata o processo de desenvolvimento a partir de uma análise das contribuições teóricas acerca deste conceito e de sua evolução, alternativas e os modelos atuais. Dentre essas alternativas é apresentado o conceito de “Desenvolvimento Local” e de que forma este vêm sendo visualizado utilizado, analisado e experimentado inclusive em nosso país.


Palavras-chave: Desenvolvimento. Desenvolvimento local. Capitalismo.



Abstract: This paper entitled, "Capitalism and development: it is possible to walk together?", seeks to elucidate and portray the idea of development from the perspective of theoretical analyses about this concept and its history, alternatives and currents models. According to this framework, it presents the concept of "local development" and suggests how this is conceptualized, utilized and put into practice in our country.


Keywords: Development, Local development, Capitalism.




INTRODUÇÃO

O termo desenvolvimento, associado ao modo de produção capitalista - com ênfase na industrialização - surgido no pós-guerra, deixou um passivo de difícil administração para toda a humanidade. Problemas relacionados à sustentabilidade do planeta e, sobretudo, da sustentabilidade da vida humana vêm deixando não só a comunidade cientifica, mas todos, de uma forma geral, alarmados. Independentemente da discussão de qual o melhor modelo de desenvolvimento, se o denominado desenvolvimento local - tão pronunciado na atualidade - é uma alternativa ou, se devemos enterrar o desenvolvimento como conhecemos até então, conforme prenuncia Sachs (2000, p.11), devemos questionar os modelos que não deram certo, enaltecer e reaproveitar as experiências bem sucedidas e finalmente, construir os possíveis caminhos a serem trilhados.
O modelo conhecido como desenvolvimento local, aparece após os anos 70 como uma alternativa para a sobrevivência, não só das localidades - com a constante interação, discussão conjunta e construção a partir dos agentes que fazem parte das mesmas -, como também como uma forma de reprodução do capital, a partir do momento em que a gestão local traz muitos benefícios e economias na escala de produção. Esse processo iniciado há pouco tempo no mundo e, mais recente ainda no Brasil, nos mostra o quanto a participação da sociedade civil e a construção do capital social[1], apesar de importante para a validação e legitimidade do mesmo, é dificultada - principalmente pelas elites que cresceram e acumularam seu capital à custa de informações privilegiadas, acordos lucrativos e utilização de mão de obra mal remunerada. A prática tem demonstrado como é difícil à construção de um processo de desenvolvimento local onde não existe liberdade de expressão ou ação, as oportunidades não aparecem e, principalmente, ainda se vive sob a influência de uma relação de dominação edificada no poder - sobretudo econômico – em uma sociedade com estratificação e divisão de classes perversa.
O ideário e a argumentação dessa elite é tão forte que a questão da desigualdade – não só econômica, mas racial, de gênero, dentre outras – vai permanecendo e se perpetuando com o passar dos anos nos discursos “mascarados” de boas intenções cheio de preconceito, disseminado pela elite dominante. Um exemplo é o discurso, bastante utilizado na atualidade, da geração de emprego e renda que é, inclusive, utilizado por autores e correntes relacionadas ao desenvolvimento local. Esse discurso tem contribuído para que os próprios governantes continuem facilitando o processo concentrador de renda através da concessão de benefícios, como a isenção fiscal, disponibilização de infra-estrutura e outras facilidades para instalação de empresas, ou permitem, não só que as atividades informais se estabeleçam nas localidades, como as relações trabalhistas e garantias sociais sejam desrespeitadas, ao evitar tomar medidas mais eficazes de controle e fiscalização, deixando de ferir, assim, interesses de uma elite local do qual fazem parte. Outro grande problema causado nesse processo de concessão de benefícios é a disputa para atração de empresas, que acaba beneficiando, momentaneamente, algumas localidades em detrimento de outras.

A EVOLUÇÃO DO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO E OS NOVOS MODELOS

CRESCIMENTO X DESENVOLVIMENTO

Apesar dos conceitos de desenvolvimento e crescimento serem bastante debatidos desde a metade do século passado, nos últimos anos tem-se observado um renovado e crescente interesse pelas questões relativas ao desenvolvimento no âmbito regional e local, sobretudo devido a sua importância em suas múltiplas dimensões – ambiental, social, política e econômica - que têm ocupado espaço de destaque nos meios acadêmicos, políticos e empresariais. A preocupação com a população e com os recursos das localidades, de forma ampla e sob diversos aspectos que vão desde o crescimento econômico a cultura, cidadania, preservação ambiental e justiça social, vem norteando a literatura mais recente relativa a este tema.
É importante ressaltar que, apesar do termo desenvolvimento ter ficado durante muito tempo associado à análise puramente econômica e até ser utilizado como sinônimo de crescimento econômico ou crescimento por muitos autores, esses termos possuem diferenças. “O crescimento econômico é conceituado como aumento contínuo do produto nacional em termos globais e per capita, ao longo do tempo” (MILONE, 2006, p. 485), ou seja, este conceito utiliza uma medida de riqueza interna, que pode ser tanto o produto interno bruto - PIB que é o valor agregado de todos os bens e serviços finais produzidos dentro do território econômico do país ou o produto nacional bruto – PNB que é o valor agregado de todos os bens e serviços resultantes da mobilização de recursos nacionais (pertencentes a residentes no país), independente do território econômico em que esses recursos foram produzidos. A preocupação quanto ao crescimento econômico começa a ser observado a partir do surgimento e evolução do capitalismo, pois, antes as sociedades eram basicamente agrícolas e variavam pouco ao longo dos anos. O sistema capitalista, ao trazer contínuas mudanças tecnológicas e a acumulação do capital, alterou de forma abrupta as estruturas dessas sociedades.
O conceito de desenvolvimento econômico também está longe de atingir unanimidade entre os autores, para Oliveira Junior, Amâncio e Alvim (2006, p. 2), esse termo carrega este tipo de herança comum aos conceitos
Oriundos das ciências humanas e pode variar a partir de uma perspectiva positivista impondo uma forte restrição do ponto de vista metodológico ao conceito – o termo restrição é usado aqui no sentido de limitação do campo analítico. Dentro desta perspectiva, o campo analítico é exclusivamente econômico e se refere às determinações de preços, taxas e quantidades (OLIVEIRA Jr; AMÂNCIO; ALVIM, 2006, p. 2).
Motivo pelo qual acreditam que tenha surgido a confusão por parte de muitos autores ao usar o termo crescimento econômico como sinônimo de desenvolvimento econômico e vice versa.
Para confirmar a citação anterior, podemos analisar a conceituação de desenvolvimento econômico a partir dos trabalhos de alguns autores como Kindleberger e Herrick (apud MILONE, 2006, p. 485), que afirmam que desenvolvimento econômico é “Um aumento na produção acompanhado de modificações nas disposições técnicas e institucionais, isto é, mudanças nas estruturas produtivas e na alocação dos insumos pelos diferentes setores da produção”. Nesse conceito é percebida a diferença do conceito de crescimento econômico anteriormente apresentado, ao contemplar as mudanças de cunho tecnológico, de gestão e logística. Então, analisando este conceito, pode-se inferir que, além de crescimento (econômico), o desenvolvimento econômico abrange também os meios, formas e técnicas de atingi-lo, em uma visão muito próxima apresentada por Furtado (1961, p.180) que afirma que a mola mestra do desenvolvimento capitalista clássico é o avanço tecnológico que permite os aumentos de produtividade que, por sua vez, “permitem multiplicar o excedente (matéria-prima do desenvolvimento) e com isso acelerar os investimentos e a escala de produção”, confirmando a visão focada na industrialização e reprodução do sistema capitalista.
Para que se possa entender melhor a utilização do termo desenvolvimento econômico, conforme apresentado anteriormente, é necessário compreender sua origem e o momento histórico em que este surge. De acordo com Caporali (1997, p.1)
O conceito de desenvolvimento econômico começou a ser utilizado a partir do final da 2a Guerra Mundial num contexto de formação de instituições mundiais de harmonização de interesses e de práticas econômicas, bem como de uma teoria econômica que depositava na ação regulatória do Estado à possibilidade de manutenção de taxas de crescimento mais elevadas.

E importante ressaltar que a utilização do conceito de desenvolvimento econômico está diretamente associada, nas primeiras décadas após a segunda guerra, a consolidação do modelo fordista[2] de desenvolvimento que contemplava a organização científica do trabalho (ou taylorismo[3]) com o estabelecimento de um regime de acumulação e de modo de regulação keynesianos[4], facilitadores do consumo massivo mediante o fomento da demanda efetiva do sistema, fazendo com que o acesso a melhores salários permitisse a ampliação dos mercados e, em conseqüência, estímulo à produção e a continuidade dos lucros empresariais. É importante observar, contudo que o desenvolvimento econômico não deve ser considerado como um modelo de desenvolvimento e sim um conceito utilizado para identificar políticas e estratégias relacionadas ao processo de desenvolvimento, dentro do modelo fordista.
Para que um modelo de desenvolvimento possa ser identificado Albuquerque (1998, p. 15) utiliza a metodologia na qual são evidenciadas características dos três principais elementos que devem ser considerados na análise deste, a saber: “o paradigma técnico-econômico, o regime de acumulação e o modo de regulação”. O paradigma técnico-econômico enfoca essencialmente os aspectos substantivos em nível microeconômico, o regime de acumulação se refere à inter-relação e à conquista dos grandes equilíbrios macroeconômicos entre as diversas fases do processo econômico (produção, financiamento, distribuição, intercâmbio e consumo) e o modo de regulação aponta para o marco social, institucional e de negociação entre atores que buscam facilitar o funcionamento do modelo de desenvolvimento a partir do âmbito sociopolítico, conforme pode ser verificado na Figura 1.
Como pode ser verificado, apesar do crescimento econômico dentro de um modelo estar contemplado, são consideradas e analisadas questões de ordem social como a participação cidadã e a negociação estratégica entre os atores, que é destacado por Albuquerque ao nível mesoeconômico.
Outra questão, também presente na visão pós-guerra, foi que o desenvolvimento econômico seria a resposta à problematização da pobreza. Escobar (apud LAGE, 2006 p. 2), argumenta que depois de 1945, a tarefa dos governos foi tornar a pobreza útil, em complemento emergiu a concepção utilitária e funcional de pobreza ligando-a infalivelmente às questões de trabalho e de produção. Para esse autor além da idéia do desenvolvimento ter surgido para responder a questão da pobreza no pós-guerra, trouxe também a estruturação da nova configuração de poder e de suas hierarquias, vinculada ao conhecimento científico e a especialização, dentro do modelo fordista, o que tornou impossível para o Terceiro Mundo refutar esse poderoso discurso, face ao conhecimento técnico disponibilizado para a modernização do mundo, ancorado na promessa de eliminação da pobreza.







Figura 1: Elementos principais para a análise de um modelo de desenvolvimento.


Fonte: ALBUQUERQUE, 1998.


Para atingir o desenvolvimento econômico, a partir de padrões das nações desenvolvidas, surge o termo “subdesenvolvimento”, ou seja, seria subdesenvolvido o país que estivesse em situação econômico-social inferior ao padrão das nações industrializadas. Motivo pelo qual, o modelo fordista de desenvolvimento deveria ser perseguido e seria o estágio posterior ao subdesenvolvimento.
Nesse contexto, analisando o momento histórico na América Latina convém citar os trabalhos da Comissão Econômica para a América Latina – CEPAL[5], órgão regional das Nações Unidas que surge em 1948. A preocupação básica da CEPAL era a de explicar o atraso da América Latina em relação aos chamados centros desenvolvidos e encontrar as formas de superá-lo. Nesse sentido, a análise enfocava, de um lado, as peculiaridades da estrutura sócio-econômica dos países da periferia[6], ressaltando os entraves ao desenvolvimento econômico em contraste com o dinamismo das estruturas dos centros avançados (MANTEGA, 1984, p. 34). Dentre esses entraves estava à caracterização da América Latina como região fornecedora de produtos primários e consumidora de produtos industrializados vindos do exterior, o que, de acordo com a CEPAL gerava um crescimento desigual a partir da apropriação de renda global, já que a demanda por produtos industrializados cresce à medida que a renda da população aumenta, o contrário acontece com a demanda por bens primários. Para resolver esse dilema, a CEPAL defendia que,
para superar o estágio de subdesenvolvimento seria necessário através da intervenção estatal, defender a promoção da industrialização, com foco no mercado interno, como meio mais eficiente para se conseguir o aumento da renda nacional e da produtividade, para evitar a deterioração dos termos de intercâmbio e, assim, reter-se os frutos do progresso técnico (CEPAL, 1984, p. 39).
O que se aproxima da visão de desenvolvimento apresentada anteriormente, colocando a industrialização como mola-mestra do processo e a renda nacional como principal indicador. Este modelo causou um forte impacto nos chamados países subdesenvolvidos e estava baseado nas premissas de que o mundo industrializado poderia trazer os benefícios gerados nesse processo. No Brasil essas idéias foram precursoras do nacional-desenvolvimentismo, ideologia que caracterizou os governos de Getúlio Vargas (1930/1945 e 1951/1954) principalmente no segundo mandato e o de Juscelino Kubitschek (1956/61), onde é marcada a transição do país de uma economia agroexportadora baseada no café para uma economia urbano-industrial.
De acordo com Sposito (1988), no final da década de 50 e início da década de 60, surge uma nova forma de denominar os países que já possuíam um processo de industrialização.
Como muitos países viviam em processo de industrialização (no caso do Brasil timidamente a partir da década de 30 e mais definitivamente na época de 60), a dificuldade binária (desenvolvimento ou subdesenvolvimento) foi solucionada ideologicamente [...] através da criação de mais uma categoria de classificação, a dos países em desenvolvimento (SPOSITO, 1988, p. 68).
Ou seja, dentro desta visão, o Brasil e outros países por estarem vivendo um processo que representava a expressão máxima do desenvolvimento econômico, a industrialização, não poderiam mais ser rotulados como “subdesenvolvidos”.
Os anos 60 ficaram conhecidos como a “Década do Desenvolvimento” devido à resolução n. 1.710 da XVI Assembléia Geral das Nações Unidas, cujo objetivo quantitativo, visivelmente acentuado, era obter uma taxa mínima de crescimento da renda nacional agregada da ordem de 5% ao ano para todos ou a maioria dos países em desenvolvimento. Esse percentual representava um nível de crescimento significativamente acima dos verificados anteriormente nestes países. No Brasil a década do desenvolvimento norteou os programas e planos de desenvolvimento elaborados e executados durante o governo militar (1964/85) a partir do governo de Castello Branco (1964/67) que tinham como principal objetivo, seguindo a cartilha da ONU, acelerar o ritmo de desenvolvimento do país.
Diante do que foi apresentado é importante ressaltar que durante o período pós-guerra toda utilização do termo desenvolvimento se refere a desenvolvimento econômico, traduzido em um aumento do crescimento através de um índice de valor agregado, no caso em referência o PIB ou PNB, através da industrialização e no modo de produção capitalista como forma de resolver todos os males da humanidade, inclusive a pobreza. Neste contexto o desenvolvimento econômico era fundamentado na ideologia altamente otimista que previa o crescimento econômico indefinido, visto como um processo de utilização cada vez mais intensivo de capital, de redução do uso de mão de obra, e de utilização extensiva dos recursos naturais.
Infelizmente, como foi observado posteriormente, a falta de uma visão mais ampla sobre a questão permitiu que esse projeto de desenvolvimento gerasse inúmeras externalidades negativas[7] como a concentração de renda, aumento das desigualdades sociais, favelização das cidades, poluição e destruição dos recursos naturais, e redução da sustentabilidade no planeta.
De acordo com Lage (2006, p. 3)
O modelo de crescimento econômico fomentado a partir do século XX, gerou grandes desequilíbrios e poucos valores genuínos de uso na sociedade, para além de um consumo excessivo dos recursos naturais. Se por um lado, uma pequena parcela da humanidade acumulou enormes riquezas, facilidades tecnológicas e uma gama imensa de conhecimentos adquiridos, pelo outro, deparou-se com uma enorme desigualdade social, uma concentração de riqueza histórica e um empobrecimento crescente e cruel nos países da periferia e semi-periferia, além de graves problemas decorrentes da degradação ambiental, problemas estes que não reconhecem fronteiras políticas.
É importante ressaltar também que, nesse modelo de desenvolvimento econômico que prevê um crescimento econômico contínuo, é utilizado erroneamente o termo sustentável como a capacidade de sustentação de altas taxas de crescimento contínua o que, conforme pode ser averiguado, possui uma forte conotação economicista, contudo, o termo sustentável merece uma abordagem mais abrangente conforme será analisado posteriormente.
As políticas de desenvolvimento econômico, capitaneadas pelas grandes instituições mundiais, começaram a ser questionadas ainda na década de 60, quando se inicia, de forma mais destacada, a dúvida se o crescimento traria realmente os benefícios sociais tão propagados. A falência da visão do desenvolvimento através do crescimento econômico, além de ter se iniciado com as conseqüências já citadas, levam também a outra questão de ordem metodológica, já que simplesmente o crescimento de atividades industriais não servem para medir o bem estar da população e o PIB, como indicador, começa então a ser questionado.
Em 1972 Dennis L. Meadows e um grupo de pesquisadores pertencentes ao Clube de Roma[8] publicaram um estudo chamado “Limites do Crescimento” (publicado nos EUA em 1972 e, no Brasil, em 1973), neste mesmo ano aconteceu a Conferência Mundial sobre Desenvolvimento Humano em Estocolmo. As conclusões contidas neste estudo já sinalizavam para um eventual colapso na economia mundial em um prazo máximo de cem anos, caso se preservassem as taxas de crescimento populacional e de produção com todo o seu efeito nocivo e, sinalizou para uma solução ao afirmar que era possível modificar estas tendências e formar uma estabilidade ecológica e econômica com o planejamento global para que as necessidades materiais básicas de cada pessoa na Terra fossem satisfeitas e, cada uma destas pudessem ter igual oportunidade de realizar seu potencial humano. É importante ressaltar que neste estudo, além da indicação da necessidade imediata do congelamento do crescimento da população global e do capital industrial, existe uma preocupação com a satisfação das necessidades, pelo menos das materiais básicas, da população mundial.
É importante ressaltar, contudo que, apesar da visão pós-guerra estar associada a questão do crescimento constante, já havia desde o início, pelo menos manifestada, uma preocupação com a questão social conforme podemos verificar no objetivos da criação da ONU, explicitado na introdução da Carta das Nações Unidas, assinada em 25 de outubro de 1945 em São Francisco nos Estados Unidos de “promover o progresso social e elevar o nível de vida dentro de um conceito mais amplo de liberdade”. Contudo no afã de obter esse progresso social, através do crescimento, a própria ONU deixou de promover a discussão sobre o conceito mais amplo de liberdade ou este foi deixado para o segundo plano.
Diante do que foi apresentado, é importante ressaltar que para dar sentido ao conceito de desenvolvimento e necessário agregar o enfoque e as preocupações de ordem social. Para Oliveira Júnior, Amâncio e Alvim (2006, p. 2):
De maneira inversa, outras perspectivas vão ao sentido de ampliar o próprio campo analítico, fazendo que o “econômico” não se restrinja meramente às questões de preços e quantidades, e abranja também as relações sociais e seu contexto histórico-institucional. A ampliação do conceito faz com que o termo “desenvolvimento econômico” passe a ser estudado e redefinido como “desenvolvimento sócio-econômico”. Tal redefinição parte de um pressuposto da impossibilidade de dissolução analítica dos elementos econômicos dos sociais.
Conforme verificado em várias citações anteriores, muitos autores utilizam a expressão econômico, mas não deixam de citar a importância de levar em consideração o aspecto social para obtenção do desenvolvimento, portanto a questão/abordagem social está intrinsicamente considerada em diversos conceitos que são intitulados ou denominados unicamente como desenvolvimento econômico.
O que parecia até então explicado começa a ganhar novos contornos com as novas demandas e mudanças da sociedade e, o conceito de desenvolvimento econômico começa a ter novos significados e formatos, para Colman e Nixson (apud MILONE, 2006, p. 485), desenvolvimento econômico “é um processo de aperfeiçoamento em relação a um conjunto de valores desejáveis pela sociedade”, estes autores usam um conceito que é medido de forma diferente pelas diferentes pessoas da sociedade. Apesar de muitos autores utilizarem o termo desenvolvimento econômico como sinônimo de desenvolvimento e vice-versa.
Outra grande contribuição foi dada por Amartya Sen (2000, p. 17) ao enxergar o desenvolvimento como “um processo de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam” o que torna a abordagem sobre o desenvolvimento uma alternativa aos modelos já decadentes. Para este autor:
O enfoque nas liberdades humanas contrasta com visões mais restritas de desenvolvimento, como as que identificam desenvolvimento com crescimento do Produto Nacional Bruto (PNB), aumento de rendas pessoais, industrialização, avanço tecnológico ou modernização social. O crescimento do PNB ou das rendas individuais obviamente pode ser muito importante como um meio de expandir as liberdades desfrutadas pelos membros das sociedades. Mas as liberdades dependem também de outros determinantes, como as disposições sociais e econômicas (por exemplo, os serviços de educação e saúde) e os direitos civis (por exemplo, a liberdade de participar de discussões e averiguações públicas) (AMARTYA SEN, 2000, p. 17).
Contudo diante de obstáculos e desafios estabelecidos pela cultura política nacional que ainda atingem com muita força muitos municípios brasileiros, principalmente os das regiões norte e nordeste, onde o coronelismo obteve uma sobrevida em relação aos demais estados, o clientelismo ainda se apresenta como padrão de relação política dominante, a cultura de passividade ainda permanece, a segmentação das instituições governamentais e a tradição do corporativismo estabelecido nas mesmas dificultam a gestão compartilhada e faz do protagonismo institucional um obstáculo ao desenvolvimento do protagonismo local, as descontinuidades associadas a mudanças político-administrativas, e a visão imediatista dos atores, que dificulta a percepção do tempo de maturação requerido pela construção social, parece ser difícil falarmos em liberdade, ou essa fica sendo algo longe de ser visualizada, quiçá alcançada. Porém, devido a tudo que foi apresentado e, na extrema necessidade de reverter situações adversas - que apresentam indicadores extremamente negativos ao nosso país -, a liberdade deve ser o principal objetivo a ser buscado, sob pena de o desenvolvimento continuar fazendo parte de um ideário utilizado pelos defensores ardorosos das políticas de cunho liberal desenvolvimentista que tem deixado um passivo de difícil gestão para toda a humanidade.

DESENVOLVIMENTO LOCAL

Devido às mudanças ocorridas em todo mundo nestas últimas décadas, decorrentes principalmente da crise do modo de produção capitalista realçado através da utilização dos modelos de desenvolvimento com foco no crescimento econômico, novas formas de promoção do desenvolvimento foram surgindo. Entre essas, a abordagem conhecida como desenvolvimento local que, começou a ser discutida a partir das experiências dos distritos industriais do Norte e Nordeste italianos, que ganharam notoriedade na conjuntura de crise dos anos 70 devido, sobretudo, aos resultados apresentados de forma surpreendente em termos de dinamismo econômico e manutenção e elevação dos níveis de emprego e renda, bem-estar e cidadania. A partir desse momento foi iniciada uma reorientação do papel exercido pelos locais na Europa e Estados Unidos, onde a mais famosa experiência e a do Vale do Silício[9], e na década de 80, se expandiram para os demais países.
Esta abordagem também não esta livre de divergências entre os estudiosos sobre o tema. Existe discordância, sobretudo, em aspectos já citados anteriormente. Enquanto, a partir das experiências da década de 70, uma corrente apresenta ênfase nos aspectos econômicos, no mercado, na globalização e na dependência de recursos externos, denominando, inclusive, esse processo de Desenvolvimento Econômico Local, outra, sem deixar de valorizar o aspecto econômico, ressalta aspectos relacionados gestão social através das relações existentes no espaço/local analisado. Essas duas correntes serão aqui analisadas para que haja uma melhor compreensão e entendimento, através da comparação e discussão, e, serão evidenciadas as principais divergências, ideologias e lacunas presentes em ambas.
Os autores que abordam o desenvolvimento econômico local apresentam o mesmo no plano teórico como:
Constituído por um conjunto de reflexões sobre a centralidade do Local como origem e objeto de ações e políticas voltadas para a superação das desigualdades territoriais, inerentes ao desenvolvimento capitalista. Trata-se de uma teorização marcada pela espacialidade e pelas novas condições técnicas da dinâmica capitalista. Seu objeto empírico é o conjunto de experiências bem-sucedidas de dinamização econômica de localidades, municípios e regiões, frente aos desafios colocados pela atual onda de globalização e reestruturação produtivas (CRUZ, 2001, p. 2).
Essa corrente ressalta o desenvolvimento local como um processo de adaptação do sistema capitalista ao âmbito local após crise econômica dos países industrializados e o processo de decomposição e de recomposição dos processos produtivos, quando o nível local aparece como lugar privilegiado da regulação de disfunções (BRITO; VIEIRA, 2006, p. 5), ou seja, no âmbito local a capacidade de gerar resultados é maior devido a possibilidade de um melhor gerenciamento e controle de variáveis existentes.
É importante destacar que as ações e políticas de desenvolvimento, enquanto estratégias de superação da pobreza e do subdesenvolvimento, ou estratégias de modernização, empreendidas após a segunda guerra, sob os incentivos dos organismos internacionais multilaterais, sempre tiveram que lidar com o local, ou com os problemas do desenvolvimento no plano dos desequilíbrios ou das desigualdades territoriais ou regionais, embora sem o sentido e a dimensão estratégicos que o termo local adquiriu a partir dos anos 70 (CRUZ, 2001, p. 3).
De acordo com Buarque (apud, SOUZA, 2003), a corrente que destaca aspectos sociais com preponderância identificando uma diferença quanto ao interesses dos capitalistas e população local conceituando o Desenvolvimento Local como
processo endógeno de mudança, que leva ao dinamismo econômico e a melhoria da qualidade de vida da população em pequenas unidades territoriais e agrupamentos humanos. Deve mobilizar e explorar as potencialidades locais e contribuir para elevar as oportunidades sociais e a viabilidade e competitividade da economia local; ao mesmo tempo que deve assegurar a conservação dos recursos naturais locais (BUARQUE apud SOUZA, 2003, p. 5).
Para uma melhor compreensão do conceito de desenvolvimento local é necessário, além do entendimento do que é desenvolvimento endógeno, do que é o local nesta abordagem e do que trata a sustentabilidade, é importante compreender também, as dimensões econômica, social, cultural, ambiental, físico-territorial, político-institucional e científico-tecnológica destacadas e analisadas por Tenório (2006, p.1), e de que forma estas se inserem neste conceito.
O conceito de desenvolvimento endógeno é muitas vezes confundido com o de desenvolvimento local devido ao fato de estarem intrinsicamente relacionados. Não existe desenvolvimento local sem desenvolvimento endógeno, sob pena deste não ser legítimo e, nem tampouco, representativo de uma localidade.
De acordo com Dallabrida (1999, p. 2)
O desenvolvimento endógeno, busca qualificar um processo de desenvolvimento germinado no interior da região, que contemple as necessidades e aspirações da coletividade regional [...] e resulte de uma sólida e ativa consciência de territorialidade, o que exige a participação consciente e ativa dos atores locais na construção de um projeto socioeconômico-político e cultural próprio.
Fica claro que esse conceito exige, inicialmente, que sejam atendidas as demandas da coletividade local, contudo, cabe ressaltar que os atores devem ser capazes de tomar iniciativa, além da necessidade da existência de canais de participação para que isso ocorra dentro de um processo legitimamente democrático. Barquero (2001, p. 38) concorda que, “o desenvolvimento endógeno propõe-se a atender às necessidades da população local através da participação ativa da comunidade envolvida” e complementa:
mais do que obter ganhos em termos da posição ocupada pelo sistema produtivo local na divisão internacional ou nacional do trabalho, o objetivo é buscar o bem-estar econômico, social e cultural da comunidade local em seu conjunto(idem, 2001, p.38).
Antes da possibilidade de exploração econômica das potencialidades ou vocações das localidades, a busca pelo desenvolvimento deve contemplar o bem-estar coletivo, sobre os diversos aspectos, a partir das aspirações da própria população.
Quando analisado apenas pelo aspecto preponderantemente econômico, o desenvolvimento local é apresentado como um receptáculo pronto para receber recursos externos conforme podemos notar no conceito de desenvolvimento econômico local, apresentado por Barquero (2001 p. 57) que o define como
Um processo de crescimento e mudança estrutural que ocorre em razão da transferência de recursos das atividades tradicionais para as modernas, bem como pelo aproveitamento das economias externas e pela introdução de inovações, determinando a elevação do bem-estar da população de uma cidade ou região.
Podemos questionar esse conceito sob vários aspectos, primeiro quem são os agentes que estão acarretando a transferência de recursos de atividades tradicionais para modernas e se isso traz benefícios para as localidades e para os que nela habitam? O que é o moderno e o tradicional nesse contexto? Teria o moderno a capacidade de gerar bem-estar que o tradicional não possui? Conforme citado anteriormente este tipo de miopia vêm carregada com uma enorme ideologia de conotação liberal com foco no mercado globalizado, ou seja, o bom para a localidade é estar pronta, consumir e viver o “moderno”, o que também causa sérios prejuízos para a cultura local, além de condicionar a elevação do bem-estar a esse processo de acumulação capitalista. Para compreender melhor como essa ideologia ainda norteia o pensamento de alguns autores e necessário compreender seu nexo com o processo de globalização.
Independente de que aspecto do desenvolvimento local seja discutido é de consenso geral que esse foi, e continua sendo, afetado diretamente pelo processo de globalização. Contudo, o tipo de consideração dada a esse fator difere a depender a linha que o autor defenda, já que globalização é até hoje, motivo de discussão e controvérsias entre argumentos de representantes de diversas correntes e ideologias, principalmente quanto aos aspectos políticos e econômicos. Na visão liberal apresentada por Barquero (2001 p. 13) é apresentado um processo de globalização onde “o Estado cede seu papel de protagonista e sua liderança às empresas inovadoras (geralmente multinacionais)”, direcionando sua análise ao equilíbrio sendo gerado pelo mercado. Diante desse raciocínio, esse mesmo autor defende que o desenvolvimento endógeno, visto pela ótica de preparação do local para receber investimentos mundiais, “desponta como um instrumento privilegiado para a análise e ação”, ou seja nessa visão, o local seria dependente de investimentos externos para dinamizar a sua economia, ou seja, a visão dos atores locais estariam focadas para inserir-se no mercado global. Pintos (2007) concorda ao afirmar que
El desarrollo local aparece como una nueva forma de mirar y de actuar desde el territorio en este nuevo contexto de globalización. El desafío para las sociedades está planteado en términos de Insertarse en la globalidad, rescatando su identidad para capitalizar al máximo sus capacidades locales y regionales, através de las estrategias de los diferentes actores en juego.
Para este autor o desenvolvimento local tem a sua origem, existência e sustentação geradas a partir do processo de globalização. O que parece ser um paradoxo, contudo, e a afirmação relacionada ao resgate da identidade do território para a inserção nesse processo.
Berthoud (2000) alerta sobre essa tendência mundial que podemos utilizar na nossa análise do Desenvolvimento Local
A tendência atual é buscar impor os mecanismos e princípios do mercado a todos os países do globo, mas, acredita-se que o desenvolvimento só é viável para aqueles países que estejam dispostos a libertar-se inteiramente de suas tradições e a dedicar-se à busca do lucro econômico, em detrimento de todo um conjunto de obrigações sociais e morais (BERTTHOUD, 2000, p. 133).
Portanto, dentro da visão de inserção ao mercado global, o desenvolvimento local estaria intimamente ligado à promoção de um ambiente, que pode ser totalmente diferente e agressivo ao ambiente original, para que aconteça esse processo.
Quanto ao resgate da identidade local, é importante ter muito cuidado pois essa característica e utilizada por muitas empresas multinacionais ao utilizar a estratégia de “pensar global e agir localmente” que nada mais é do uma forma de aumentar os lucros utilizando de estratégias de marketing que se utilizam da cultura, valores e características locais. Contudo, a maturidade no processo de construção da identidade a partir de valores legítimos das localidades vai muito mais além e, muitas vezes estes se tornam espaços de resistência a valores, hábitos e culturas externas.
Em relação à captação de recursos externos, a prática tem demonstrado que nem sempre estes estão associados ao bem-estar legítimo da população local e sim aos interesses do capital. Quando verificada essa situação na prática observa-se que a busca de capitais externos para os municípios além de gerar uma competição, no que Boisier (apud FONSECA, 2005, p. 66-67) chama de city marketing onde os lugares competem como se fossem empresas ou quase empresas, o que, inicialmente, pode gerar uma movimentação na economia interna, quando principalmente as empresas instaladas são intensivas de capital humano, mas, ao abandonarem essas localidades - por diversos motivos, inclusive por melhores condições apresentadas por outras - estas deixam um rastro de decadência e empobrecimento. Essas políticas de atratividade acabam gerando um resultado em um jogo de soma zero, pois, nesse jogo de forças sempre alguma localidade acabará perdendo.
Já o conceito de local para Franco (2000a, p. 140) se refere à delimitação do espaço onde ocorre esse processo de desenvolvimento, para o autor no Brasil, nas maiorias dos casos, tais espaços são municipais ou microrregionais (envolvendo certa quantidade de municípios dentro de uma mesma unidade federativa), porém, para o mesmo, a delimitação do local está diretamente relacionada com o processo endógeno. Para Fernando Pintos (2007), o local não corresponde a um nível de escala nem com um tipo de unidade administrativa e sim com um conceito relacional, uma dimensão onde os atores intervêm para gerir um território que constitui sua referência de atuação e identidade, ou seja, um conceito mais apropriado a partir do momento em que não é dissociada a idéia de desenvolvimento endógeno de construção da identidade e ação no local, o espaço, a priori, não precisa ser um lugar especificamente determinado geograficamente, mais sim um lugar delimitado a partir da ação do atores que possuam algum interesse no mesmo.
É importante ressaltar que nesse processo se destaca a relação entre os atores que impulsionam o desenvolvimento local, a saber, Governo, empresários e comunidade local. Nesse processo o desenvolvimento não se dá unicamente pelo interesse do mercado/capital, nem pela intervenção estatal, mas sim através da inter-relação entre esses atores.
Outra distinção importante a ser destacada - também motivo de confusão na literatura -, é quanto ao entendimento entre o que é desenvolvimento local e o que é desenvolvimento regional. Desenvolvimento regional, conforme pode ser constatada através de sua utilização ligada ao estudo, formulação e análise de políticas de desenvolvimento, é o conjunto de políticas ou ações governamentais realizadas em determinadas regiões ou territórios, conforme podemos verificar na afirmação dos autores Siqueira e Siffert Filho (2001, p. 83)
Se entendermos desenvolvimento regional como uma política para melhorar as condições sociais da população e reduzir as diferenças entre as regiões, pode-se inferir o grau de desenvolvimento de determinada região a partir da avaliação do estoque de capital fixo – relacionado às empresas e à infra-estrutura física e social – disponível em determinada região, pelo nível educacional da população e pelos índices sociais e de renda.
Ou seja, são ações de cima para baixo, tendo o governo como principal ator e planificador destas, cujo objetivo maior, conforme ressaltado anteriormente é melhorar as condições sociais da população e reduzir as diferenças entre as regiões. Contudo alguns autores utilizam o termo desenvolvimento regional ao falar de desenvolvimento local, atribuindo o conjunto de relações citados a escala regional. É obvio que o desenvolvimento local contribui para redução de desigualdades regionais, sobretudo quando não analisamos simplesmente aspectos puramente econômicos e sim bem estar e qualidade de vida local.
Umas das principais diferenças entre os conceitos de desenvolvimento regional e o de desenvolvimento local é a participação dos atores, tendo, neste último uma participação ativa da população local na exposição de necessidades, solicitação de serviços governamentais e ação na busca de condições que tornem o local um espaço de geração de bem-estar coletivo. Evidente que, nesse conceito, a participação da autoridade estatal não está fora do processo e sim, dentro dele só que, como mais um ator que colabora e contribui e, sobretudo, tem sua importância destacada como gestor dos recursos públicos e provedor de serviços conforme destaca Dowbor (2007, p. 2)
É um Estado que se apóia amplamente numa democracia inclusiva na qual os poderes para administrar os problemas serão idealmente manejados localmente, restituídos as unidades locais de governança a ao próprio povo, organizado nas suas próprias comunidades.
Quanto ao Governo em suas diversas esferas, principalmente a Federal, de acordo com Augusto de Franco (2007), estes podem ajudar no desenvolvimento local, desde que invistam em capital humano[10] e em capital social, adotem legislações adequadas, descentralizem políticas e recompensem desinteressadamente esforços locais como, por exemplo, instituir concursos de projetos locais de desenvolvimento e premiar com recursos – sobretudo para capacitação – não os carecimentos e sim os esforços que forem feitos endogenamente pelas populações locais para superar estes.
É importante destacar que a sustentação desse Estado de acordo com Brito e Vieira (2006, p. 3-4) decorre da eficácia dos atores sociais, do sistema institucional, das redes de cooperação e dos projetos coletivos. Os atores sociais do processo de desenvolvimento local são aqueles cujas qualificações e competências os predestinam a representar um papel particular na realização das políticas de desenvolvimento tais como diretores de serviços ou de agências de desenvolvimento; representantes institucionais, encarregados de funções; gerentes de projetos; empresários; lideranças comunitárias; operadores (responsáveis de colocar em prática as políticas); e representantes eleitos, independente de serem incentivadores ou não das políticas de desenvolvimento (TEISSEREC, apud BRITO & VIEIRA, 2006). O sistema institucional, ou a relação e funcionamento das instituições, teriam como objetivo criar ou fortalecer as estruturas encarregadas de promover as políticas de desenvolvimento local.
Para Putnam (2006, p. 23), “as instituições podem ser moldadas pelo contexto social em que atuam”, ou ainda, de acordo com Fonseca (2005, p. 23) “as instituições são criações humanas com o objetivo de dar forma às interações sociais”.
Quanto às redes de cooperação, sabe-se que a cooperação e a solidariedade são formas potenciais de realização humana e coletiva e que é possível perceber, através destas características uma outra lógica empresarial, através destas redes, articuladas por sujeitos conscientes e ativos, igualmente atores e protagonistas da inovação e da cooperação, com vistas à construção de novos ambientes, potenciais espaços para o empreendedorismo e o associativismo, mecanismos estratégicos para fortalecer o capital social e auxiliar na sustentabilidade e no desenvolvimento local (THESING, 2006).
Promove-se o exercício da cooperação econômica como direito e não como dever, no qual é traduzido em não gerar e nem perpetuar as condições de dependência naqueles que são beneficiários das ações solidárias. Ao invés disso, propõem-se estratégias que possibilitem às pessoas ganharem autonomia e capacidade de assumir papel ativo como gestores do próprio desenvolvimento. A economia fundamentada na cooperação representa a recuperação do verdadeiro sentido da economia, que possibilita o estabelecimento de um novo contrato social, conciliando os imperativos econômicos e os valores humanistas necessários ao verdadeiro desenvolvimento da sociedade (VALADARES, 2002). Esse mecanismo surge até mesmo como forma de sobrevivência no contexto internacional globalizado, de alta competição e de desigualdades regionais e sociais.
A mudança de foco do nacional para o local, principalmente quando esse local é o município, foi alterada, também, devido ao processo de descentralização cujo debate vem ocupando papel de destaque em muitos países europeus desde os anos de 1970 e, na América Latina e Brasil a partir dos anos 80.
Apesar do processo de descentralização estar presente em vários campos disciplinares, cabe destacar sua utilização no campo das ciências políticas, na qual esta é tratada como um mecanismo democrático que permite a autonomia política dos níveis locais e regionais, com vistas ao aprofundamento da democratização; na sociologia como um mecanismo de autorização “empowerment” da sociedade civil, com o objetivo de incrementar a cidadania e finalmente, no campo da administração pública onde se constitui uma política para se diluir o poder decisório e administrativo dentro das agências públicas centrais, através da desconcentração, ou seja, a transferência de responsabilidade administrativa sobre os serviços básicos públicos do nível nacional para governos regionais e locais (PENFOLD-BECERRA, 2002), e possível perceber que todas essas abordagens se interligam quanto ao aspecto de fortalecimento da democracia e apontam para uma necessidade da participação da comunidade local envolvida a partir do momento que é efetuada a transferência de responsabilidades para os governos regionais e sobretudo para os governos locais.
Quanto à sustentabilidade já citada no item anterior, essa não aborda somente a questão ecológica, mas também a sustentabilidade política, social, econômica espacial, cultural e ambiental e está relacionada diretamente a dois tipos de solidariedade; a solidariedade com a geração a qual pertencemos e a solidariedade com a geração futura, pois o bem-estar das gerações atuais não pode ser obtido deixando um passivo, uma dívida para as gerações futuras. Outra questão importante a ser analisada nesse processo e quanto ao bem-estar dos pobres e excluídos de hoje, que não pode ser protelado em nome de um futuro melhor para as próximas gerações. A questão de como aumentar a riqueza sem deixar esse passivo para as próximas gerações a princípio, parece se tratar de um paradoxo, mas é importante ressaltar que o processo de desenvolvimento conforme já citado anteriormente, não se trata apenas de aumento de riquezas, mas está diretamente relacionado à melhor distribuição e com a geração desta de forma responsável, interligando as sustentabilidades já citadas.
Para Franco (2000a, p. 155-156), a sustentabilidade e mais fácil de ser conseguida no âmbito local, pois este possui um contexto de comunidade e, somente nesse contexto, “se pode ascender à consciência do papel, vital para a continuidade do sistema, que cumprem as múltiplas relações que se estabelecem entre seus membros”, ou seja, é mais fácil sustentar ações e políticas a partir do momento em que existem relações com o lugar e com as pessoas deste ou, o sentimento de pertence, de pertencer à localidade. O termo comunidade e bem utilizado neste contexto já que se refere ao que é comum a um grupo, de preferência o bem comum.
A discussão sobre o desenvolvimento local foi introduzida no Brasil nos meados dos anos 90, a partir de um conjunto de experiências localizadas que se expandiram por diversas regiões. Surgiram a partir daí inúmeras iniciativas em forma de ações e projetos relacionados ao combate à pobreza, à desigualdade ou à exclusão, em campos estratégicos de políticas públicas. Tais experiências, em sua maioria possuíam um eixo ou ponto de partida setorial: nutrição e saúde, educação, trabalho e renda, meio ambiente, infra-estrutura e moradia ou, de forma combinada, trabalhavam com segmentos específicos, principalmente a partir de critérios etários, de gênero ou étnicos. Essas iniciativas foram implementadas, principalmente por entidades não-governamentais e governos municipais (em alguns casos, associadas a programas federais cuja execução era descentralizada).
Essas iniciativas foram, em boa parte, impulsionadas pelo processo de descentralização cujas bases de consolidação foram estabelecidas na Constituição de 1988, e pela importância dada ao município a partir da autonomia concedida aos mesmos. De acordo com Dowbor (2007, p. 2), a vantagem deste processo e que “ao se deslocar boa parte das iniciativas do desenvolvimento para o nível local, aproxima-se a decisão do espaço onde o cidadão pode efetivamente participar”, ou seja, conforme citado anteriormente, o local e o fórum ideal para a discussão da comunidade e atores que dele dependem.
A partir de meados dos anos 90, ocorre o crescimento e a percepção da necessidade de registrar e dar visibilidade a todo o leque de experiências locais constituídas a partir de diferentes eixos e focos temáticos. Pesquisas e estudos de caso, construção de bancos de dados de projetos, identificação de boas práticas e premiações de experiências locais (sobretudo de iniciativas municipais) começaram, desde aquele período, a ganhar presença no cenário público brasileiro. Surgiram também esforços de criação de ambientes e fóruns que entre seus objetivos incluem a circulação e disseminação de práticas inovadoras como fator de aprendizagem e construção de referências.
Ainda que não representassem o foco predominante e generalizado das iniciativas que emergiram nos anos 90, tais elementos indicavam uma mudança em face do padrão verticalista e centralizador que, no Brasil, ocupou praticamente todo o cenário das décadas anteriores. Essas experiências que surgem tanto com apoio e/ou idealização do governo[11] como a partir de ações do terceiro setor[12], inaugurando o que Franco (2007) chama de terceira geração de política social, que compartilha a criação de políticas públicas a partir da parceria entre o Estado e sociedade para o desenvolvimento social, diferente da primeira geração, políticas de intervenção centralizada, já citado anteriormente, e a segunda geração, políticas públicas de oferta governamental descentralizada.
As iniciativas de desenvolvimento local em curso, no Brasil, são bastante diferenciadas quanto às metodologias aplicadas, às ênfases temáticas e à abrangência geográfica. Há experiências em andamento tanto em comunidades com menos de mil moradores quanto em regiões com 400 mil habitantes. São utilizadas também, uma variada gama de termos e designações em uso, segundo diversos enfoques, ideologias e correntes, conforme citado anteriormente, ou núcleos de fomento institucional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho foi norteado com a intenção de analisar e provocar a respeito do processo conhecido como desenvolvimento local, modelo bastante propagado nesses últimos anos como solução das localidades para sobrevivência em um mundo globalizado. Para o entendimento desse modelo foi necessária à análise do conceito de desenvolvimento e quais as conseqüências, transformações e percepções do mesmo através dos tempos. Foi buscado apresentar de que forma o conceito de desenvolvimento começa a ser construído, como é percebido, como evolui e de que forma esse processo atinge o Brasil e, quais as transformações ocorridas a partir desse momento – as transformações na sociedade, e os motivos que levaram a essas mudanças foram contemplados, tendo sempre o cuidado de apresentar uma construção dialética, ao apresentar diferentes visões e percepções sobre o tema.
O conceito de desenvolvimento local foi apresentado, a partir de sua origem recente na Europa, com os distritos Italianos e Estados Unidos com o Vale do Silício. Após a apresentação deste conceito foi questionado se esse é, realmente, um modelo ideal a ser aplicado a todos os lugares do planeta, a partir do momento em que existem discordâncias - práticas e conceituais - entre autores, atores e agentes e até agências/organismos multilaterais e, também, diante das desigualdades e complexidades existentes entre as diversas características presentes nos diferentes países e regiões.
A partir do que foi apresentado verifica-se que, o desenvolvimento local apesar de ser aparentemente viável para as localidades, quando permite a participação de seus representantes – através do empoderamento dos mesmos e da abertura de canais de participação – e procura atender as demandas legítimas dessas comunidades. Contudo, o desenvolvimento local pode acabar se tornando um processo tão negativo e excludente como os outros modelos anteriores, basta que, para isso, além da das diferentes concepções apresentadas, as localidades comecem a disputar recursos, o que faz que algumas percam enquanto outras ganhem em um jogo onde a soma zero.

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[1] Diz respeito aos níveis de organização de uma sociedade e está diretamente relacionada com os graus de associanismo, confiança e cooperação atingidos por uma sociedade democrática organizada de ponto de vista cívico e cidadão e a boa governança e a prosperidades econômica. Baixos níveis de capital social indicam baixos níveis de desenvolvimento social (Franco, 2000, p. 42).


[2] Conjunto de métodos de racionalização da produção elaborados pelo industrial Henry Ford. Os princípios do fordismo foram amplamente difundidos, tornando-se uma das bases da organização industrial moderna (SANDRONI, Paulo. Dicionário de Economia, 3. ed., São Paulo, Best Seller, 1989, p. 128).


[3] Conjunto de teorias para aumento da produtividade do trabalho fabril, elaboradas pelo engenheiro norte-americano Frederick Winslow Taylor (1856-1915). Abrange um sistema de normas voltadas para o controle dos movimentos do homem e da máquina no processo de produção, incluindo propostas de pagamento pelo desempenho do operário (prêmios e remuneração extras conforme o numero de peças produzidas) (Id., 1989,p. 306).




[4] Modalidade de intervenção do Estado na vida econômica, sem atingir totalmente a autonomia da empresa privada baseado na principal obra do economista John Maynard Keynes, A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda de 1936 (Ibid, 1989, p. 162-163).




[5] A criação desta instituição está diretamente ligada aos esforços do economista Argentino Raúl Prebisch, que foi o secretário executivo da CEPAL desde a sua fundação até 1962. Para formular uma teoria de desenvolvimento econômico e social que partisse da realidade da América Latina e que fornecesse os meios para superá-la sem recorrer ao modelo citado anteriormente e aos demais modelos importados, este se aproximou de outros economistas latino-americanos em um esforço que resultou na criação da CEPAL. As linhas que deram origem ao pensamento desta instituição surgiram nas décadas de 30 e 40, a partir da experiência de Prebisch como organizador e primeiro diretor geral do Banco Central da Argentina, entre 1935 a 1943, período que coincide com a industrialização da Argentina, aonde o mesmo colheu importantes subsídios.
[6] Relativo a teoria centro-periferia elaborada inicialmente por Prebisch na qual o centro são as economias em que as técnicas capitalistas de produção penetraram primeiro e a periferia são as economias cuja produção permanece inicialmente atrasada, do ponto de vista tecnológico e organizativo. De acordo com essa teoria o progresso técnico na periferia só ocorre localizadamente em setores que produzem alimentos e matérias-primas a baixo custo, cujo destino são os grandes centros industriais.
[7] Esta expressão foi inicialmente cunhada por Alfred Marshall e, em seguida, de forma mais aprofundada, por Pigou nos anos 20. Segundo esses autores a externalidade aparece quando existe uma divergência entre a relação custo-benefício privada e social. Ela pode ser classificada em negativa (quando gera um retorno social menor que o retorno privado) ou positiva (quando ocorre o inverso) (Pearce apud Andrade, 2000 p.28).
[8] Criado em 1968 congregou cientistas, economistas e altos funcionários governamentais com a finalidade de interpretar o que foi denominado, sob uma perspectiva ecológica de “sistema global”.
[9] Exemplo clássico de surgimento de um pólo de excelência industrial cuja precursora foi a Universidade de Stanford quando, devido à necessidade de contratação de professores de prestígio utilizou terras de sua propriedade criando um parque industrial próximo da universidade.
Em 1951 foi criado o Stanford Industrial Park. Mais tarde, surge o Stanford Research Park, um mecanismo de transferência de conhecimento da universidade para as empresas do parque. Essa iniciativa transformou radicalmente a morfologia urbana do local e se mostrou um êxito científico, cultural e tecnológico. O número de empresas ali instaladas passou de 7 em 1955 para 90 em 1991, com mais de 25.000 trabalhadores.
O Vale do Silício, termo surgido em 1971, se tornou o modelo para os parques tecnológicos em todo o mundo, reformulando a relação entre universidade e empresas.
As principais características do fenômeno do Vale do Silício foram:
- a inovação se deu devido ao fato inédito de atrair indústrias para junto da universidade;
- a maioria das empresas era de pequeno porte e da área de tecnologia eletrônica;
- a formação de uma mão-de-obra técnica e especializada de alta qualificação que favoreceu o desenvolvimento das empresas.
[10] Refere-se mais diretamente ao conhecimento, ao know-how e à capacidade de criá-lo e recriá-lo – o que envolve a saúde, a alimentação e a nutrição, a educação, a cultura e a pesquisa e várias outras áreas. Pode ser observado a partir de indicadores como: expectativa de vida ao nascer e mortalidade infantil, taxa de mortalidade, taxa de analfabetismo de jovens, concluintes do ensino fundamental e do ensino médio e ingressantes no ensino superior (FRANCO, Augusto de. Além da renda – A pobreza brasileira como insuficiência de desenvolvimento, Brasília, Millennium, 2000, p. 31).
[11] Podemos destacar o programa Comunidade Ativa lançado no governo de Fernando Henrique Cardoso em 1999 que tinha como objetivo induzir o chamado Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável – DELIS (grifo próprio).
[12] Terceiro Setor é uma terminologia sociológica que dá significado a todas as iniciativas privadas de utilidade pública com origem na sociedade civil. A palavra é uma tradução de Third Sector, um vocábulo muito utilizado nos Estados Unidos para definir as diversas organizações sem vínculos diretos com o Primeiro Setor (Estado) e o Segundo Setor (Mercado) (disponível em acesso em 02 jun. de 2007).































segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE: UTOPIAS, IDEOLOGIAS E POSSIBILIDADES


Diariamente os meios de comunicação em massa veiculam uma série de informações onde são apresentados temas como crescimento econômico, desenvolvimento econômico, preservação ambiental, sustentabilidade que estão diretamente relacionadas com a economia e com o futuro dos países, mas, afinal qual é o melhor caminho a ser seguido pelas nações para a sobrevivência do planeta? Será possível dentro do processo de reprodução do modelo civilizatório capitalista (DALLABRIDA, 1999) haver geração de riqueza, prosperidade, consumo excedente e, ao mesmo tempo a preservação do meio ambiente e recursos naturais? Esses são questionamentos que além de não serem facilmente respondidos são mascarados pela ideologia disseminada pelos operadores do sistema que privilegia o consumo cada vez maior de utilidades produzidas pelas maravilhas do avanço tecnológico, da inovação e de adaptação ao futuro que chega cada vez mais rápido.
Neste contexto, existe uma eterna disputa entre a geração de riqueza, com a utilização intensiva e indiscriminada dos recursos naturais renováveis e não renováveis que estão presentes de forma direta ou indireta nas indústrias, aliada à explosão demográfica e o conseqüente aumento do consumo e a necessidade de conscientização de que a Terra é o único habitat possível para o homem e por isso o meio ambiente e os recursos naturais merecem políticas de gestão e de preservação efetivas urgentes e sérias.
Diante deste cenário nos deparamos com uma gama de estudos e informações, conflitantes ou até complementares, que visam atender a interesses diversos. De um lado está grande parte dos capitalistas que defendem o seu interesse na multiplicação e aumento cada vez mais rápido do capital, e com isso continuar gerando efeitos nocivos como devastação, poluição, esgotamento de recursos e destruição do meio ambiente. Do outro lado, muitos teóricos como Dallabrida (1999) afirmam que o modelo atual é ecologicamente depredador, economicamente inviável, socialmente perverso, culturalmente excludente e politicamente injusto para ser assumido integralmente por todos países, portanto dentro desta ideologia o modelo civilizatório capitalista atual caminha para um futuro catastrófico mesmo com avanço da preocupação referente a aspectos sócio-ambientais iniciado a partir do final dos anos 60, o que pode ser consolidado na afirmação do físico Henry Kendall, ganhador do prêmio Nobel de Física, ao declarar que os seres humanos e o mundo natural estão numa rota de colisão (1994, apud CAVALCANTI, 1998, p. 17). Em outra corrente, neste mesmo grupo de estudiosos, existe os que acreditam que, com o avanço dos movimentos de preservação ambiental e a discussão com a sociedade vão gerar um futuro melhor para o planeta terra e para todos os habitantes que nela vivem assim como para as futuras gerações em um processo chamado de desenvolvimento sustentável
[1]. Mas afinal o que seria este desenvolvimento sustentável, já que para Serafy (1997, apud DALLABRIDA, 1999) sustentabilidade significa diferentes coisas para diferentes pessoas.

A Preocupação Ambiental e as Políticas de Desenvolvimento

A crença de que o crescimento econômico proporcionaria melhores condições de vida para a sociedade, começou a sofrer reveses, principalmente a partir da década de 60. O ritmo acelerado da industrialização e o aumento da população em áreas urbanas, os constantes impactos ao meio ambiente, tanto físicos, como econômicos e sociais, tornaram-se cada vez mais evidentes para a sociedade que passou a manifestar-se, principalmente nos países desenvolvidos, no sentido de priorizar a proteção sócio-ambiental em detrimento ao crescimento econômico (SILVA e TARRALI, 1996 apud ANDRADE, 2000, p.21).
Em 1972 Dennis L. Meadows e um grupo de pesquisadores pertencentes ao Clube de Roma
[2] publicaram um estudo chamado “Limites do Crescimento”, neste mesmo ano aconteceu a Conferência Mundial sobre Desenvolvimento Humano em Estocolmo. As conclusões contidas neste estudo já sinalizavam para um eventual colapso na economia mundial em um prazo máximo de cem anos, caso se preservassem as taxas de crescimento populacional e de produção com todo o seu efeito nocivo ou externalidades negativas[3], sinalizando para solução ao afirmar que era possível modificar estas tendências e formar uma estabilidade ecológica e econômica com o planejamento global para que as necessidades materiais básicas de cada pessoa na Terra sejam satisfeitas, e cada uma destas tenha igual oportunidade de realizar seu potencial humano. É importante ressaltar que neste estudo já havia a indicação da necessidade imediata do congelamento do crescimento da população global e do capital industrial.
Com a divulgação do estudo de Meadows e equipe surgiram também as críticas tanto dos estudiosos que se identificavam com as teorias do crescimento
[4] como de intelectuais e líderes de países subdesenvolvidos como Mahbub ul Haq (1976, apud BRÜSEKE, 1998) que levantou a tese de que as sociedades ocidentais, depois de um século de crescimento industrial acelerado, estavam orientando este caminho de desenvolvimento para os países pobres, justificando esta prática com uma retórica ecologista, ou seja, este estudo estaria, então, respaldando uma ideologia de continuidade de dominação e controle por parte dos países desenvolvidos ao concentrar o capital e domínio tecnológico. Na conferência de Estocolmo a Primeira Ministra da Índia, Indira Gandhi, argumentou que "a pior poluição é a pobreza" (ANDRADE, 2000, p. 24), inflamando ainda mais a discussão e expondo a situação de extrema pobreza na qual viviam alguns países do terceiro mundo e, mais do que discutir sobre futuro ambiental seria necessário, de imediato discutir o problema da pobreza de uma forma mais ampla.
Independente de ser uma Ideologia ou forma de manutenção de status, é de domínio da ciência que as “funções ecossistêmicas são parâmetros que não se podem modificar impunemente, necessitando de estabilidade diante de perturbações suscitadas pelas ações do homem” (CAVALCANTI, 1998, p.18). O ecossistema se regula pelo princípio da homeostase que garante, de forma natural, a correção dos desvios para atingir o seu equilíbrio e garantir a preservação da vida. A importância de ser levada em conta este aspecto para a construção de políticas de desenvolvimento se deve, segundo Cavalcanti (1998, p.18), ao fato da “economia não pode ser vista como um sistema dissociado da natureza, pois não existe atividade humana sem água, fotossíntese ou ação microbiana no solo”, ou seja, não existe nenhum tipo de produção ou atividade sem a existência dos recursos naturais, aspecto que foi observado por Meadows e sua equipe. Para Cavalcanti (Ibid., p.18-19):
A economia da sustentabilidade [...] implica consideração do requisito de que os conceitos e métodos usados devem levar em conta as restrições e métodos usados na ciência econômica devem levar em conta as restrições que a dimensão ambiental impõe à sociedade.
Portanto toda política direcionada para a sustentabilidade e perpetuação da vida deve levar em conta o esgotamento dos recursos naturais.
Em 1976 Ignacy Sachs (apud BRÜSEKE, 1998, p.31) formulou os princípios básicos do conceito de ecodesenvolvimento, termo que já havia sido usado pelo canadense Maurice Strong para caracterizar uma concepção alternativa de política de desenvolvimento
[5]. Esta nova visão integrou, basicamente, seis aspectos: a) a satisfação das necessidades básicas; b) a solidariedade com as gerações futuras; c) a participação da população envolvida; d) a preservação dos recursos naturais e do meio ambiente em geral; e) a elaboração de um sistema social garantindo emprego, segurança social e respeito a outras culturas, e f) programas de educação. Ratificando o estudo do Clube de Roma, esta nova concepção volta a ressaltar a satisfação das necessidades básicas e da preservação dos recursos naturais e reforça o aspecto da solidariedade com as gerações futuras já abordado na conferência de Estocolmo que, de acordo com Cavalcanti (1998 p. 18) obriga o cientista a pesquisar de que maneira o uso dos recursos à disposição do homem deve ser feito para preservar a capacidade de sustentação do ecossistema. Pode ser observado que este conceito, conforme apresentado possui uma grande similaridade com o conceito de desenvolvimento sustentável, tanto assim que é utilizado como sinônimo por Sachs (BRÜSEKE, 1998, p. 31), contudo, esta teoria que se referiu inicialmente às regiões rurais da África, Ásia e América Latina e, só posteriormente ganhou uma visão das inter-relações globais entre subdesenvolvimento e superdesenvolvimento.
Com a continuidade da discussão em torno do tema é importante ressaltar ainda a Declaração de Cocoyock (1974, apud BRÜSEKE, 1998, p. 31), que foi resultado da Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e Desenvolvimento - UNCTAD e do Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas – UNEP, que ressalta o aspecto da pobreza como causadora do desequilíbrio demográfico e da destruição ambiental verificada na África, Ásia e América Latina devido a superutilização do solo e dos recursos vegetais e ressalta, mais um vez, o problema do consumismo excessivo dos países industrializados gerando um alto índice de poluição da biosfera, sinalizando para a necessidade de se estabelecer não só um limite mínimo, mas também um limite máximo para o bem-estar e satisfação do ser humano. As posições contidas nesta declaração foi posteriormente aprofundados no relatório final de um projeto da Fundação Dag-Hammarkjöld com a participação de pesquisadores e políticos de 48 países com a colaboração da UNEP e mais treze organizações da ONU. Este relatório acrescenta as análises anteriores ao citar o abuso de poder e sua interligação com a degradação ecológica em sua origem histórica ao retroceder ao passado colonial que concentrou os solos mais férteis na mão de uma minoria social e dos colonizadores europeus que expulsou e marginalizou a população original que foi obrigada a usar solos menos apropriados o que levou a África do Sul, Marrocos e outras localidades a devastação de grandes paisagens. Tanto o Relatório Dag-Hammarskjöld quanto a Declaração de Cocoyok orienta para o desenvolvimento a partir das próprias forças internas e um processo presente também na Teoria do Desenvolvimento Endógeno
[6].

Caminhos e Possibilidades

Em 1987 é concluído o relatório Bruntland
[7] como resultado do trabalho da Comissão Mundial da ONU sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento. Este relatório apresenta uma lista de medidas a serem tomadas no nível do Estado Nacional, dentre elas estão novamente a necessidade da limitação do crescimento populacional, a satisfação das necessidades básicas, a preservação da biodiversidade e dos ecossistemas e acrescenta a garantia da alimentação a longo prazo, o controle da urbanização selvagem e integração entre campos e cidades menores e, apesar de inovar alertando para a diminuição do consumo de energia e desenvolvimento de tecnologias que admitem o uso de fontes energéticas renováveis, surpreendentemente sinaliza para a necessidade do aumento da produção industrial nos países não industrializados com utilização de tecnologias ecologicamente adaptadas. Neste relatório novamente é identificada a influência de forte ideologia de domínio e exploração econômica por parte dos paises centrais confirmada no seu conteúdo que descreve a superação do subdesenvolvimento no hemisfério sul dependente do crescimento contínuo nos países industrializados (BRÜSEKE, 1998, p. 34) o que deixa o discurso do desenvolvimento sobre o ponto de vista ecológico novamente sob suspeita.
Em 1992 foi realizada no Rio de Janeiro a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento mais conhecida como a ECO-92 ou Rio-92. Esta conferência foi duramente criticada no Relatório do Wordwatch Institute em 1993 (apud BRÜSEKE, 1998, p. 34), pois, de acordo com o mesmo, nem as expectativas nem as esperanças foram atendidas devido a forte pressão da delegação dos Estados Unidos sobretudo quanto ao limite dos níveis de emissão de CO2. Novamente foi observado o processo de resistência a redução de consumo e produção.
Demétrio Magnoli em seu artigo “O Protocolo de Kyoto e a terceira etapa da ‘ecodiplomacia’”
[8], afirma que:
A ECO-92 rejeitou a noção de que a defesa do ambiente pudesse conduzir à imposição de limites para o crescimento econômico dos países em desenvolvimento. Os tratados que emergiram a partir da conferência identificam nos padrões de produção e consumo dos países desenvolvidos as principais fontes de poluição ambiental.
Portanto apesar de Brüseke (1998) citar que a partir desta Conferência a maioria dos governos incluiu no discurso oficial a necessidade da interligação entre o desenvolvimento sócio-econômico e as transformações no meio ambiente a pressão da delegação americana continuava demonstrando, pouca vontade em mudar o quadro atual, já que havia a constatação que os países desenvolvidos eram os maiores poluidores da biosfera.

Considerações Finais

Neste período de quase quarenta anos onde a discussão sobre novas possibilidades e novas concepções sobre o futuro da humanidade, com suas respectivas demandas e manutenção das condições de reprodução dos recursos naturais se tornou não só uma exigência no nível mundial mais também uma necessidade, fica patente as forças de manutenção do processo de exploração e dependência que, inicialmente, traduzido na troca desigual onde os países mais industrializados, ou países centrais
[9], trocavam seus produtos predominante industriais com os países menos industrializados, ou periféricos, produtos de menor valor, predominante primários[10], em um processo que Lipietz (1988 apud SPOSITO, 1989, p. 62) denominou de “desenvolvimento do subdesenvolvimento”[11] e posteriormente, com o processo de Internacionalização do capital[12] tornando os países periféricos cada vez mais subordinados ao capitalismo mundial.
Esta ideologia pode ser mais fortemente constatada, apesar dos conflitos gerados por representantes de países periféricos a partir do Clube de Roma e da Conferência de Estocolmo em 1972, no relatório Brundtland com o determinismo do crescimento dos países subdesenvolvidos atrelados ao crescimento contínuo nos países industrializados e a falta de indicação de limites ao consumo e de uso de energia nos países desenvolvidos e na ECO–92, com a forte resistência dos Estados Unidos em reduzir os limites de emissão de CO2 e de aderir posteriormente ao Protocolo de Kyoto de 1997 que é um desdobramento da Convenção do Clima documento assinado durante a Conferência Rio-92.
Apesar dos conflitos gerados pela ideologia de exploração e a resistência dos países periféricos que não abrem mão das políticas de crescimento e industrialização não se pode diminuir a importância da necessidade da preservação do recursos ambientais sob pena de esgotamento dos mesmos. De acordo com Clovis Cavalcanti (1998, p.19) “na visão desenvolvimentista tradicional, a natureza se percebe como uma cornucópia fornecedora inexaurível de recursos e, ao mesmo tempo, como um esgoto de infinita capacidade de absorção de dejetos”, ou seja, com a continuidade deste processo o resultado será um só, um ambiente inóspito para todos.
Outra ilusão, gerada pelos discursos desenvolvimentistas, é a de que com o crescimento da economia vai haver geração de contínua de empregos na mesma proporção. Entre 1975 e 1990 o PIB global cresceu 56% em termos reais e o emprego apenas 28%. Portanto o crescimento da riqueza de um país ou do mundo não gera necessariamente a distribuição desta.
Contudo, diante da visão do sistema capitalista, visto como o grande vilão, já que “a concentração do capital é base do processo produtivo desenvolvido na indústria fabril” (SPOSITO, 1989, p. 62), historicamente sempre se adaptou e se reproduziu de acordo com as situações e condições existentes, a de se esperar que, novamente, exista uma mudança nas relações e políticas existentes sobre pena da economia mundial entrar em um grande colapso.
Quais seriam as possibilidades de conciliar a produção industrial, consumo e preservação ambiental sem reduzir as condições existentes em países periféricos? Uma das possibilidades já sinalizadas nos documentos anteriores está na redução do consumo, ou consumo responsável em defesa da vida, pois, conforme alerta Merico (1996 apud DALLABRIDA, 1999):
Crescimento econômico através do desperdício, abundância e consumismo podem ser interessantes para aqueles que desfrutam desse padrões de consumo, mas são definitivamente contra a humanidade.
Uma possível solução para este processo esta não só no aproveitamento de energias renováveis e limpas conforme identificado no relatório Brundtland, mas também em algum procedimento de compensação aos países menos industrializados pela alta poluição e degradação da natureza propiciado pelos países mais industrializados. Algo parecido como o Fundo de Desenvolvimento Limpo (FDL) proposto pelo Brasil em 1997 que infelizmente foi posteriormente transformado, em um processo de articulação do Brasil com os EUA, no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo ou MDL. O FDL seria um fundo constituído pelas multas pagas pelos países desenvolvidos que não cumprissem as metas de redução de emissões, proposta que, apesar do forte apoio dos países emergentes sofreu forte oposição dos países desenvolvidos. Já o MDL, abriu a possibilidade dos países desenvolvidos cumprirem parte de suas metas de redução de emissão através do financiamento de projetos de desenvolvimento sustentável nos países emergentes e pobres, ou seja, permanece com os níveis de emissões altos e condiciona outros tipos de desenvolvimento similar ao proposto no relatório Brundtland.
O que pode ser percebido é que apesar de todo este cenário, diagnósticos e prognósticos sombrios sobre o futuro da humanidade, se os países centrais insistirem em manter os níveis de poluição e políticas de crescimento, lançando soluções alternativas para os países emergentes não haverá nenhum tipo de mudança neste quadro.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRADE, José Célio Silveira. Conflito, cooperação e convenções: a dimensão político-institucional das estratégias sócio-ambientais da Aracruz Celulose S.A. (1990-1999). 419 f. Tese (Doutorado em Administração) - Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia. Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2000.
BOISIER, Sergio. Desarrollo (local): ¿De qué estamos hablando? Santiago de Chile, ILPES, 2000.
DALLABRIDA, Valdir R. Novos paradigmas para o desenvolvimento regional. Geonotas, vol. 3, nº 1, 1999. Disponível em: <
http://www.dge.uem.br/geonotas/.>. Acesso em: 15 mar. 2005.
BRÜSEKE, Franz Josef. O problema do desenvolvimento sustentável. In: CAVALCANTI, Clóvis (Org.) Desenvolvimento e natureza: estudo para uma sociedade sustentável. 2 ed. São Paulo: Fundação Joaquim Nabuco, 1998.
CAVALCANTI, Clóvis. Breve introdução à economia da sustentabilidade. In: CAVALCANTI, Clóvis (Org.) Desenvolvimento e natureza: estudo para uma sociedade sustentável. 2 ed. São Paulo: Fundação Joaquim Nabuco, 1998.
MAGNOLI, Demétrio. O Protocolo de Kyoto e a terceira etapa da “ecodiplomacia”. Revista Pangea, nº 56, 2001. Disponível em: . Acesso em: 26 jul. 2005.
MANTEGA, Guido. A economia política brasileira. 2 ed. Rio de Janeiro: Polis/Vozes, 1984.
SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. Capitalismo e urbanização. 2 ed. São Paulo: Contexto, 1989.


[1] Termo cunhado a partir do relatório Brundtland, finalizado em 1987, conhecido sob o título de “Nosso futuro comum”. Neste estão listados uma série de ações a serem tomadas no nível de Estado nacional para salvaguardar o desenvolvimento sócio-econômico e o futuro do meio ambiente.

[2] Criado em 1968 congregou cientistas, economistas e altos funcionários governamentais com a finalidade de interpretar o que foi denominado, sob uma perspectiva ecológica de “sistema global” (MAGNOLI, 2001).

[3] Esta expressão foi inicialmente cunhada por Alfred Marshall e, em seguida, de forma mais aprofundada, por Pigou nos anos 20. Segundo esses autores a externalidade aparece quando existe uma divergência entre a relação custo-benefício privada e social. Ela pode ser classificada em negativa (quando gera um retorno social menor que o retorno privado) ou positiva (quando ocorre o inverso) (Pearce, 1990 apud Andrade, 2000 p.28).

[4] Os defensores desta teoria acreditavam que com a continuidade do crescimento econômico as desigualdades econômicas e sociais entre o primeiro e o terceiro mundo seriam eliminadas.


[5] Sergio Boisier (2000, p.151) explica que o termo crescimento econômico foi utilizado pelos autores da economia clássica representado por Adam Smith, David Ricardo e Marx e o termo desenvolvimento, tem suas raízes diretamente relacionadas ao termo distribuição, que foi utilizado a partir da obra dos autores neoclássicos como Marshall, Walras, Pareto, Pygou e outros e, apesar do termo desenvolvimento ter sido utilizado durante muitos anos como sinônimo de crescimento econômico e quantificado através do PIB, gerou um reducionismo econômico que pouco ajudou a entender a natureza deste fenômeno.

[6] Processo de desenvolvimento germinado no interior da região, que contemple as necessidades e aspirações da coletividade regional [...] e resulte de uma sólida e ativa consciência de territorialidade, o que exige a participação consciente e ativa dos atores locais na construção de um projeto sócio-econômico-político e cultural próprio (DALLABRIDA, 1999).

[7] Nome derivado de um dos presidentes desta comissão o Gro. Harlem Brundtland.

[8] MAGNOLI, Demétrio. O Protocolo de Kyoto e a terceira etapa da “ecodiplomacia”. Revista Pangea, nº 56, 2001. Disponível em . Acesso em: 26 jul. 2005.

[9] A Teoria Centro-Periferia tem como base às proposições do pesquisador John Friedmann que defende que a concentração das atividade econômicas e da população seriam poderosas e que o rendimento do sistema econômico seria controlada em grande parte pelo pólo de crescimento, o “centro”, e, com isto, os fluxos de saída de recursos da periferia seriam menores que os de retorno, construindo, assim uma periferia dependente.

[10] SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. Capitalismo e urbanização. São Paulo: Contexto, 1989.

[11] André Gunder Frank em seu livro Capitalismo e Subdesenvolvimento na América Latina (1967) defendeu que esta condição ainda se apresentava na América Latina, inclusive no Brasil, dos anos 60 e continuou ainda nos anos 70 conforme sustentado em seu livro Acumulação Dependente e Subdesenvolvimento (1976) (MANTEGA, 1984, p.213 et seq.).

[12] Este processo permitiu deslocalizar o capital, de forma monetária ou de domínio tecnológico, do centro para os países periféricos verificado, sobretudo na multinacionalização das empresas.